domingo, 17 de outubro de 2010

Reticências

Ocorreu-me ligar-lhe, há algum tempo não nos falávamos. Estava sentado, com uma garrafa recém-aberta de tinto, espanhol, e uma taça. Diante da lagoa, na frente da minha casa de praia, sentado na ponta do píer, era onde eu estava. A lua se encontrava excepcionalmente exótica, como em algum dia que estivemos juntos. Ela, como eu, era uma extrema apreciadora desse astro, e foi isso que fez lembrar-me de ligar-lhe.

Um tanto quanto amarelada, minguando, levemente maior que o normal, bem acima do horizonte, é como eu descreveria uma das luas mais lindas que eu já vi, a daquele dia da lagoa. Eu estava só. Sozinho.

Digitei o número dela do meu aparelho, “Call”. O telefone chamou uma única vez, até ela me atender, e me receber com sua voz suave e carinhosa, alegando saudades. Falei da lua, ela foi olhar e ficou abismada diante de tamanha beleza. Servi-me de uma taça do tinto. Trocamos declarações e conversamos sobre nossos cotidianos, entre outras trivialidades.

A certa altura da conversa, meu humor já era outro, a sensação de solidão já havia passado. Impressionante como a voz dela me relaxava. É uma pena a distância ter nos separado, ela pertence à minoria das minorias de mulheres que eu procuro para viver, e que são bem raras, cada vez mais. Pus os pés dentro d’água. A água da lagoa era unicamente refrescante. Já ela, estava na rede da varanda de sua casa, sem pés na água, sem vinho e sem mim.

Entramos madrugada adentro conversando. A conversa com ela me permitia sonhar que aquela relação fosse possível algum dia. Só sonhar. Eu me impressionava com a atual tecnologia, ela falava, um aparelho eletrônico captava, mandava um sinal para um satélite há uns 1500km da terra, que reenviava o sinal para o meu aparelho, que por sua vez decodificava a informação e me sussurrava a doce e terapêutica voz que me renovava. E o homem, com tanta tecnologia e ferramentas a sua disposição, muitas vezes não atinge a felicidade. Bom, pelo menos era o meu caso. Às vezes eu me pergunto se disponho dos valores certos e mais dignos de uma vida feliz.

Depois de 4 horas de ligação, desligamos. Ligações interurbanas são bem caras, e ela tinha que trabalhar no dia seguinte. O sonho acabou. Tomei o último gole da taça, tirei os pés nus de dentro d’água, me levantei do píer, me despedi da lagoa e entrei em casa. Guardei o vinho, apertei o “Play” do meu stéreo, e fui dormir escutando uma boa música clássica no volume 7.

Qualquer dia, eu largo essa vidinha previsível e sem graça de escritório e me mudo pra onde ela está, para, enfim, isso deixar de ser um sonho. Viveremos uma aventura amorosa, dessas de novela, e eu me declararei feliz. Até lá, eu continuo somente com a música clássica e com incríveis luas. Reticências.