quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Um dia, os pêlos caem. (Jaime)

Ele agora me olha ofegante, sentado. Há muito tempo eu não fazia isso, hoje eu cansei rápido e não agüentei todo o percurso. Half ainda estava apto a continuar, mas eu estou sem preparo físico algum, nunca mais tive tempo para correr com meu cachorro, assim como fiz hoje.
Agora, estou aqui, dando banho no meu companheiro. O único que, depois de todos esses anos, ainda convive comigo. Vou passando a mão pelo seu pêlo, já não mais tão macio como antes.
Continuo passando minha mão e noto que, ao final de cada movimento, vários e vários pêlos já brancos, estão grudados. Isso deveria ser normal, mas, desta vez, são muitos.
- É, campeão, você já não é mais o mesmo.
Confesso que também não sou. Não sou mais aquele cara que corria com seu cachorro todas as manhãs, tinha várias namoradas, praticava boxe e sonhava em mudar a polícia. Não sou. E confesso também que é difícil me acostumar a essa realidade que foge muito do que eram meus antigos sonhos.

domingo, 30 de novembro de 2008

Filha do chefe. (Jaime)

Noite comum, eu lavava minha moto para passar o tempo. O celular tocou. César. O que seria, dessa vez ? Atendi:
- Alô?
- Jaime, tô precisando de ti.
- Que foi?
- O Nicolas passou dos limites, dessa vez.
- O que foi que ele fez? - perguntei.
- Você não vai acreditar, ele está agora com minha filha em um armazém abandonado, perto do porto. Caso eu não dê o que ele quer, ele é quem vai decidir o que vai fazer com ela. Disse que não adianta eu fazer nada, a não ser o que ele pediu.
- E o que ele quer, afinal?
- Dinheiro, é claro. 800 mil. É muita grana, eu não tenho isso tudo e não tenho como conseguir, cara. O porquê da ligação é esse, só você pode salvar a Ingrid. Ele disse que se a polícia batesse lá ele a matava na mesmo hora.
- Calma, quanto tempo temos?
- Ele disse que ia ficar lá até o amanhecer. São 9 da noite. Minha filha já era para ter chegado da festa que ela foi, aí eu resolvi ligar. Aí soube que ela está nas mãos daquele desgraçado.
- Pode contar comigo, garanto que eu vou fazer de tudo pra trazer a Ingrid de volta, tá? Pode deixar, ela vai estar comigo e salva antes do amanhecer, garanto.
- Ah, obrigado, Jaime.
- Pfff, poupe-me disso, chefe. Você sabe que pode contar comigo, não precisa agradecer. Agradeça quando eu voltar com sua filha.
- O que você vai fazer agora?
- Vou botar uma camisa e vou pra sua casa, aí a gente planeja tudo direito, não se preocupe.
- Ta certo, vem logo...
- Tá, tchau.
- Até.
Quando acabou a ligação, vesti qualquer coisa e subi na moto. Fui depressa, pelas ruas quase vazias. Eu tinha que voltar com a filha dele em mãos. E, além disso, eu era seu grande amigo. De fato, eu não podia falhar.
Cheguei à sua casa, não tinha muito o que planejar, o tempo era pequeno e o problema, enorme. A responsabilidade em minhas mãos também era muito grande. Eu estava com um caso de vida ou morte da filha do meu chefe, Ingrid. E eu sabia que César só tinha me chamado porque sabe que eu sou seu melhor agente, e sabe que pode confiar em mim. Porém eu estava preocupado, Nicolas não tem estado muito bem de saúde mental, chegou a passar 5 meses em uma clínica psiquiátrica. Com distúrbios mentais de alternância de humor. Além disso, esteve dependente quimicamente de cocaína. Este uso de drogas foi logo após ele se retirar do departamento. Quando trabalhávamos juntos, ele não era assim.
Estava também muito preocupado com o bem estar da garota. Ela deveria ter uns 17 anos, no máximo. Era nada mais que uma adolescente.
Era hora de agir, não tínhamos muito tempo. Passamos em alguns lugares antes, mas sem demorar. Ao chegarmos, a rua estava deserta, era uma zona já quase fora da cidade, pouquíssima habitada. Ali perto, só fábricas e mais fábricas. O armazém era pequeno, já abandonado e em poucas condições. Era o local perfeito pra se fazer o que Nicolas fez, um “cativeiro”. Fui entrando:
-Alguém aí? - minha voz era respondida apenas pelo eco – Nicolas, aqui é o Jaime – Continuei andando...
De longe, comecei a escutar os choros da Ingrid. De repente, ele apareceu. Estava magro como nunca. Pálido. Olhos bem vermelhos. Com uma bermuda mal colocada e sem camisa. Seu corpo era cheio de marcas, provavelmente, de unhas. Veio logo falando:
- Ora, ora, olhe quem está aqui. Detetive Jaime Frota, quem diria eu lhe encontrar aqui, nesta situação... um tanto complicada, não é?
- Vamos falar sério um com outro, por favor. Vamos tentar resolver isso, tá certo? - perguntei.
- Está armado? Se estiver, trate lodo de joga no chão.
- Tá certo.
Joguei minha arma.
- E que saco é esse aí na sua mão?
- Um sanduíche, imaginei que você estaria com fome.
- Olha só, como ele é bonzinho.
- Sem ironias, Nicolas.
- Coloca o saco no chão e chuta pra cá.
Chutei.
- Ta certo, agora... cadê ela? - perguntei.
- Ela quem? Ah, você se refere à garota? Não se preocupe, ela está bem.
- Bem? Daqui eu ouço seus choros. Vamos, diga, cadê ela?
- Tá la dentro.
- Nicolas, entenda: eu só quero te ajudar, tá legal? Mas você também tem que me ajudar. Eu quero o melhor para nós dois. Ou melhor, nós três. Então, vamos resolver isso com calma.
- Hahaha, tá querendo bancar o negociador pra cima de mim, Jaime? Conheço esse seu jogo, não tente usá-lo comigo.
- Vamos fazer isso com calma, podemos sair os dois daqui bem. A polícia não está aí fora, só estamos nós. César e eu. Mas agora, eu preciso voltar, tenho que me comunicar com ele.
- Onde você pensa que vai?
- É sério, eu preciso ir
- Olha aqui, cara. Eu não tô pra brincadeiras, ouviu? Já disse, você não vai sair daqui. Se vocês não me derem o que eu quero, eu vou matar a garota.
- 800 é muito dinheiro, não dá pra arranjar assim da noite para o dia.
- Mas é o que eu preciso pra sair daqui e começar uma vida la fora, e eu quero isso da noite para dia sim. Se a grana não tiver aqui até o amanhecer, podem se despedir dessa garota.
- Por que você vai fugir? Por que você saiu do departamento? Você estragou sua vida, Nicolas. E só vai piorar a situação, fazendo essa besteira.
- Minha vida é problema meu.
- Mas passou a ser problema para outras pessoas também... deixe eu ver como ela está.
- Vou buscá-la, fique aí. Se eu chegar aqui e você não estiver aqui, eu mato a garota.
Em dez segundos ele voltou puxando a garota pelo braço. Ela estava somente de calcinha e sutiã. Também com muitas marcas no corpo. Totalmente descabelada. Com evidentes sinais de estupro. Ela estava morrendo de vergonha de mim, que sempre fui amigo do pai dela, e sempre fui de freqüentar sua casa, nem que seja para tomar uma cerveja após o expediente. César vez por outra me convidava. E eu sempre a vi vestida.
Nicolas a colocou na sua frente, e apontou uma pistola na sua cabeça:
- Detetive, você não tem saída. Quero que garanta que vai me conseguir o dinheiro.
- Péra lá, eu não posso garantir isso.
- Ah, é? Pois você tem 10 segundos para mudar de idéia – Então, ele começou a contar.
- 10.
- 9.
- Pára com isso, você não sabe o que está fazendo!
- Diga-me que vai conseguir o dinheiro.
- Não posso.
- 8.
- 7...
- Nicolas, pára com isso, podemos resolver isso numa boa, você sabe.
- Claro que podemos, basta você me entregar o dinheiro.
- 6
- Vamos conversar sem pressão nenhuma, de modo racional.
- Eu não tenho tempo para ser racional, detetive. Eu nunca tive tempo para isso. Chama-se loucura.
- 5...
Ingrid não parava de chorar. Toda aquela cena era muito forte, ela ali semi nua olhando para mim, esperando uma atitude minha. Com um cano de uma semi-automática apontado em seu pescoço. A mão dele não parava de tremer. Eu precisava pensar, e rápido. Mas nunca funcionei muito bem sobre pressão. Tinha que agir rápido, isso era mais do que um caso qualquer de negociação.
- 4...
- O que você quer que eu faça, se eu não posso sair daqui e não tenho esse dinheiro agora?
- Se você sair, você entrará com a polícia, não tem mais como eu sair dessa bem.
Ninguém vai fazer nada com você, você ainda tem ela consigo. Ela ainda é sua refém – eu disse.
- 3...
- Calma porra, você ainda vai acabar fazendo alguma merda. Pára com isso.
- A merda já está feita, detetive. A merda é toda esta merda aqui, em que estamos mergulhados e nos atolando cada vez mais. Atolando tanto que não dá mais pra se mexer. De modo que chega um ponto em que não tem mais volta. E este ponto, detetive, é justamente onde estamos – ele falava tão enxuto e sem emoção, que parecia está já conformado com o desastre que estava pra acontecer.
- 2...
- Eu não quero morrer aqui, alguém me tira daqui! - gritava a garota, desesperada.
César escutou os gritos de sua filha e veio correndo. Nicolas escutou os passos de César...
- Não tem mais como eu sair dessa bem, minha vida acabou.
- Não, calma, ainda podemos acabar bem com isso – eu disse.
- 1...
Nessa hora, eu puxei minha segunda pistola, que estava presa no meu cinto, nas costas. Foi tudo uma questão de segundos. Eu puxei a pistola me jogando no chão e tentando acertá-lo. Na mesma hora, ele apontando a arma para mim, acertando meu braço, enquanto levava um tiro no ombro. Foi o suficiente para ele ir caindo no chão, enquanto ele levava mais tiros no peito. Mas, infelizmente, antes de cair por completo e morrer, ele tornou o cano do revolver a cabeça da Ingrid, e atirou sem pena.
O corpo dela foi caindo ao meu lado. Levantei e fui descarregando todas as balas na barriga e no peito dele. Com toda a frieza do mundo. Um tiro após o outro, até não restar mais nenhuma bala na arma que eu segurava. Nunca tinha feito nada parecido na vida. Apesar de sempre saber atirar, eu nunca me vi como um assassino. E foi isso que eu fui, ao matar Nicolas com frieza no sangue, como um assassino que planeja exatamente o que fará. Talvez por raiva momentânea ou por arrependimento. Não sei direito o que foi, mas aquilo poderia ter acabado bem melhor.
Quando César chegou, sua filha estava jogada no chão, morta. Ele se jogou no chão, ao seu lado, e pôs-se a chorar junto a ela. Olhei para toda aquela cena, uma garota, quase sem roupas, morta com a cabeça estourada. Um homem magro só de bermuda com o peito todo perfurado e totalmente inundado de sangue. E eu, simplesmente, derrotado. Eu prometi estar com a filha dele salva antes do amanhecer. Falhei. Nunca tinha acontecido nada parecido comigo. Eu não tinha resolvido um dos casos mais importantes de toda minha vida, por incompetência minha.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

O negociador (Jaime)

Eu estava indo ao Vadinho, informante. Tinha marcado com ele em um beco, longe do seu barraco, ao pé do morro. Quando cheguei lá, o desgraçado não estava. Bom, eu não estava fardado, e quase ninguém me conhecia ali. Resolvi subir o morro até seu barraco. Um carro da polícia militar estava estacionado do lado de fora da casa do marginal. Passaram-se em torno de cinco minutos e o sujeito saiu de lá algemado por dois policiais:
- Opa, sou o detetive Jaime Frota - mostrei o distintivo -, tenho que falar em particular com o sujeito.
- Tá certo, permito o senhor ter meia horinha com ele.
- Obrigado, não demorarei.
Puxei o sujeito pra dentro do barraco.
- Por que está sendo preso ?
- Porque no comecinho de abril eu tava em outra função. Sabe como é, né? Tava metido aí pelo comércio.
- E desde quando comércio dá xadrez?
- É que eu tava metido com translações, sacou? Dinheiro pela mercadoria. Tava aí pelas fronteiras da vida.
- Contrabando?
- Shhhh, fala baixo. Que é isso! Não, não, contrabando é uma palavra muito forte. Eu tava como... executivo de fronteiras.
- Hahaha, contrabandista agora virou “executivo de fronteiras”, foi?
- O senhor me entende, capitão.
- Entendo... sim, mas não foi disso que eu vim falar com você. Vamos ao que importa, cadê o “tatu”?
- Calma, não é assim não, eu vou te dizer cade ele, e não vou ganhar nada em troca?
- Claro que vai, aqui está a grana.
- O que que eu farei com isso aí na cadeia? Porque é pra lá que eu estou indo agora. Os caras tão aí fora, esqueceu? Vão me levar, eu tô cercado. Como é que eu ia adivinhar? O senhor vai ter que me tirar dessa, se não, eu não falo onde ele tá.
- Tá certo, vou ver o que eu faço.
Mexi meus palitos pra ajudar o sujeito:
- Os colegas aí da “PM” vão me desculpar, mas por conta disso, não poderão levá-lo.
- Entendemos, tudo ok.
Inventei uma história qualquer, mas como eu era superior, colou. Na polícia tem muito disso, o que um superior fala acaba virando verdade diante de um inferior que prefere não questionar para não se prejudicar. Aliás, não é só na polícia.
E eu, é claro, vez por outra abusava disso.
Entrei no barraco e falei com Vadinho, salvei a pele do sujeito dessa vez. Dei-lhe o dinheiro combinado e tive a informação. O “tatu” da história, chamava-se Fabrício Lima, é um traficante que eu já estava atrás há muito tempo.
Peguei minha moto e saí dali. Na manhã seguinte, eu iria atrás do Fabrício.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Psicose

Tenho andado cansado. Durmo tarde todos os dias, e sou obrigado a acordar cedo. Não rendo muito ao dia. Ando estressado, com uma insistente psicose, uma extrema inquietação. Ainda assim, algo me relaxa o suficiente para agüentar os dias que virão, meu hábitos noturnos. Não vivo sem eles.
Vou para a janela da varanda todas as noites, simplesmente, para apreciar a vista. A rua pára. Nenhum pneu ousa girar pela rua. Ninguém arrisca-se transitar. Perigo. A rua é deserta, e é esta característica que a torna bela neste horário. Alguns dias, a lua resolve aparecer, e completar a paisagem. Hoje eu tenho sorte, ela está cheia, lá no alto. Seu brilho some e reaparece várias vezes, toda vez que é coberta pelas nuvens negras, que também adoram andar por aqui. Cruzam com a lua, dando uma idéia de movimento.
A luz do poste incide sobre as árvores e provoca sombras no asfalto. O vento bate forte, joga meus cabelos para o rosto, mexe as roupas no varal, mexe as árvores, mexe os galhos, as folhas. As sombras no asfalto se mexem. O barulho dos galhos em movimento me fascina. A rua, a lua e a noite em si me fascinam. Vem vindo um gato pela rua. Ele é branco, tranqüilo. Olha só para o se caminho, não se importa com mais nada. Ele, assim como tudo aqui, vem sendo observado pela coruja, de cima do telhado do vizinho. As luzes lá estão apagadas, eles não devem ser como eu.
Uma imensa nuvem esconde a lua. O gato para de andar, a coruja passa a observar algo no meio das roupas. O vento torna a bater forte. As roupas no varal balançam, dançando junto aos galhos das árvores. É estranho vê-las se balançando desse jeito. Tem uma sombra maior ali no meio, parece alguém.
Vejo claramente uma cabeça e dois braços ali. Se ali for realmente alguém, o sujeito está olhando para mim. Parece me encarar. As roupas continuam se mexendo, aquilo é a única coisa que está parada ali, no meio delas. Continua me encarando. Estou com muito medo, estou sozinho em casa.
A sombra continua olhando para mim. Não consigo ver seus olhos, nem seu rosto. Só sei que há alguém ali. Algo prende minha visão ali. Não consigo parar de olhar, por mais que eu tente. Tento balançar minha cabeça, desviar o meu olhar, mexer meus pés. Estou imóvel. Alguém está me forçando a olhar pra lá. Não consigo parar de olhar. Não consigo parar. O vento circula agora pela casa, movendo cortinas. O vento sopra atrás de mim, provoca arrepio.
Até que consigo fechar os olhos, e quando torno a abrir-los, não há nada ali. Foi tudo um devaneio de minha mente, estou precisando de um bom sono. Estresse mental, vou para a minha cama.
- Boa noite.

sábado, 1 de novembro de 2008

Comodidade.

Acordei, um barulho de uma panela caindo na cozinha, me levantei e fui até. Nathália fritava "bacon", e, apesar do bom cheiro, a cozinha estava toda engordurada, chega se sentia. Estranho, ela sempre acordava depois de mim. Sempre eu que faço os cafés de nossas manhãs, ela raramente vai pra cozinha. Após o lanche, ela tomou banho e saiu. Parecia apressada, afirmou que iria passar a manhã no salão e almoçaria na casa da mãe e já estava tudo combinado com sua mãe. Notei algum tom de insegurança ao falar sobre o almoço.

Pouco depois de ela bater a porta, sua mãe ligou nos convidando para comer fora. Ou seja, ela havia mentido para mim, quando disse que almoçaria com a mãe. Recusei o convite da velha e interfonei para o Nonato da portaria, pedindo para que ele a segurasse por três minutinhos. Eu já vinha estranhando algumas atitudes dela, essa seria a hora certa de saber se minhas suspeitas estavam certas. Foi o tempo em que eu peguei a chave do carro, vesti uma camiseta qualquer e saí do apartamento.

O elevador estava no térreo, desci de escadas. Suando frio, mas não sei bem se era por conta do exercício, não lembro a última vez que desci escadas tão rápido. Entrei no carro e consegui alcançá-la. Segui-a por um tempo, ela atravessou a cidade quase toda, até que parou em frente a uma casa. De lá, saíram duas crianças e um homem alto. Ela foi ao encontro, e os quatro se abraçaram. Depois, ela abraçou individualmente cada um e demonstrou afeto por todos eles. Beijou o homem, e entrou na casa de mãos dadas a ele.

Só eu sei a dor que eu senti na hora. As lágrimas no volante escorriam até cair sobre o banco. Passei alguns minutos com o carro parado em frente a casa. Meu racionalismo foi maior, tive que por tudo na balança. Eu era um homem beirando os cinqüenta, casado durante 12 anos, com dois filhos. Eu não teria mais tempo de construir tudo de novo. Passei mais alguns tempo tentando entender tudo, quase que em estado de choque, eu diria. Entretanto, minha vida não mudaria nada se eu simplesmente optasse por esquecer. Pisei no acelerador e preferi não ver mais nada, continuei sendo um bom marido. Só que desde então, tenho precisado de uns comprimidos para dormir.

domingo, 19 de outubro de 2008

O Terminal

Eu a esperava impaciente. Liguei pra ela, não tinha nem saído de casa ainda. O jeito era começar a me acostumar com aquele ambiente. Olhava para um lado, para ao outro, nada demais. Pessoas correndo, de lá para cá, e visse versa. Jovens, velhos, homens, mulheres, brancos, negros, pardos. Tinha todo tipo de gente ali. Mas infelizmente, ninguém como ela.
Olhava para o relógio, ainda faltava muito tempo. Algumas balas, conseguiram me distrair por um tempo, apenas por um tempo. Sentei-me. Duas garotas passaram olhando para mim, depois cochicharam, uma no ouvido da outra. Mal as reparei, só pensava nela. Um senhor sentou fumando do meu lado, a fumaça insuportável me tirou dali. Levantei.
Já estava cansado de andar de um lado a outro, cansado de ficar sentado ou em pé, cansado de esperar por ela. É impressionante, a idéia de movimento, que aquele local dá. Vários ônibus iam e vinham carregados de pessoas, a maioria apressadas. Era a típica amostragem do cotidiano, da correria do dia-a-dia. Pessoas indo para o trabalho, para casa, praia, ou qualquer canto. Já tive nesse tipo de local várias vezes, mas nenhuma, tive olhos para perceber tudo que percebi nesse dia. Acho que eram a ânsia e a impaciência da espera que me faziam reparar melhor no cenário em qual eu estava. Pessoas bonitas e feias, bem e mal vestidas, de todo tipo, ninguém como ela.
Muita gente mal educada, cuspindo no chão, jogando papel, plástico, metal, sei lá. Muita gente parece viver em meio àquele lugar. Seguranças, motoristas, fiscais, vendedores. Vi muitas mulheres. Morenas, loiras, ruivas. Nenhuma mulher ali tinha no cabelo, a cor que ela tem. Nenhuma ali tinha na boca, o sorriso que ela tem, ninguém como ela.
Olhei, novamente, o maldito relógio que parecia estar parado. Reli todas as suas mensagens, era um jeito de passar o tempo. Instantes depois, recebi mais uma mensagem sua. Em minutos, ela chegou. Estava linda, do jeito dela. Demos as mãos, um beijo, tomamos um ônibus e saímos dali.
Garanto que toda a espera valeu a pena.

domingo, 5 de outubro de 2008

Revolta.



O exército inimigo prestes a chegar, estávamos escondidos nas copas das árvores esperando-os em silêncio. Enquanto isso, eu afiava minhas flechas e preocupava-me com o combate. Foi quando comecei a escutar gritos, e o chão começou a tremer forte, parecia um terremoto, desses bem medonhos. Nunca me tremi tanto de medo.
Pelo barulho, eram mais de trezentos homens e estavam todos montados a cavalo. Vinham gritando, pareciam festejar, como se já tivessem ganho a batalha. Aos poucos, iam se aproximando, entrelaçando-se no meio das árvores, penetrando-se em nossa floresta. Quando começaram a passar por baixo de nossas árvores, preparei-me no galho e, quando pude, pulei nas costa de um cavaleiro. Puxei um flecha e rasguei-lhe o pescoço. Depois derrubei-lhe da sua montaria. Em cima do animal, usando o arco e as flechas, perfurei o peito de mais sete ou oito deles, até levar um tiro de mosquete no braço direito.
A desvantagem era brutal, eram projéteis contra simples arcos e espadas. Nunca tivemos a menor chance contra suas armas de fogo. Vi meu irmão morrer com uma baioneta mergulhada em seu pescoço. Vi meu pai agonizar sendo pisoteado por cavalos. Presenciei minha tribo ser massacrada. Só sobrou a mim como guerreiro e percebi que tiveram oportunidade de me matar por algumas vezes. Mas, eles pareciam ter outros planos e me capturaram.
Após isso, me tiveram como prisioneiro em suas terras por pouco mais de um ano. Depois fui solto, porém, não tinha permissão para sair da cidade. A floresta servia de fronteira entre os distintos povos.Tive algumas ocupações até fazer parte do exército deles. Em princípio, eu ainda tinha planos de fuga de volta para minha tribo, e só estava compondo suas tropas a títulos de aprendizagem. Eu queria levar parte de seus conhecimentos e sua determinação para minha aldeia.
Nunca tive um período tão conturbado na minha vida como os primeiros anos em terras inimigas. A comida deles é diferente, mas não pior. Seus costumes, cultura foi algo que eu nunca entendi. Suas tecnologias e ambições eram infinitamente maiores. Cresci na carreira militar, sempre tive um talento nato para batalhas, saindo da comum habilidade de luta e entrando em méritos de estratégia pura. Às vezes, eu mesmo me considerava um perito em guerra.
E, foram devidas essas virtudes, que eu cresci na carreira militar deles. E poder é algo que lhe corrompe completamente. Eu precisei chegar a capitão para entender isso. De qualquer jeito, eu não poderia sair dali ainda, então, eu tentava me convencer de que estava ainda pensando no meu antigo povo. Antigo.
Vivo com eles há mais de sete anos. Acabei aprendendo a língua deles e seus costumes. Nada mais me prendia à minha antiga tribo, minha família tinha sido completamente morta. Sofri muito, passei noites inteiras acordadas pensando a que lado eu pertencia, mas, eu sequer via as pessoas da tribo, acabei perdendo o contato virando aliado deles na guerra. Com pouco mais de 2 anos, eu era sargento deles. Tive em diversas outras batalhas, com outros povos, e eu sempre fiz a diferença. Nessa época, eu já havia aprendido perfeitamente a manusear seu equipamentos e, novamente, estive entre os melhores. Por anos, dei aulas de tiro à tropa.
Combinei as estratégias indígenas com a tecnologia daqui e me tornei o melhor. Passei por diversos cargos, tive que aturar várias atitudes que antes eu nunca concordaria, e hoje sou um general. Nossa tropa me tem como um exemplo. Depois de alguns insultos com os nativos, e a ausência de um acordo entre os povos, a trégua acabou. E meu atual povo sempre tivera interesse naquelas terras. Passamos algum tempo planejando um ataque, e agora estou aqui me vestindo para o combate. Daqui há pouco tempo eu estarei entrando floresta a dentro gritando, dessa vez, sem afiar flechas, meu armamento já está pronto. Pensando bem agora, estou até tendo pena daqueles nativos imbecis.

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