sexta-feira, 9 de abril de 2010

Decadência.

Depois de tomar os remédios da hora, Thomas voltou à janela do quarto. Pôs gelo no copo e uma dose de uísque da única garrafa restante. Ele já estava acostumado com tantos químicos no corpo, os remédios eram diários. Era fato, sua mente não andava mesmo muito bem. Às vezes, ele se pegava chorando de saudade dos pais, mas fazia de tudo pra não se lembrar disso. Era, mais uma vez, a vida lhe mostrando as dificuldades de se viver só. Entretanto, em muitos outros pontos, Thomas apreciava a solidão. Principalmente, por não ser alguém de fácil convívio e ter plena noção disso.

Acendeu outro cigarro, apoiou-se com os cotovelos sobre a janela, e voltou a pensar na loucura que tem sido sua vida nos últimos meses. A mente dele não parava de jeito algum. E entre lembranças de sua última transa e preocupações com sua situação financeira, o mínimo que poderia nascer dentro dele, era uma dor de cabeça. Ele já tinha até aprendido a conviver com esse tipo de dor. Continuou fumando.

Entretido com o cigarro, Thomas lembrou do amigo que lhe ensinou a fumar, Jaime. Os dois praticavam boxe juntos e conversavam bastante nos cafés depois dos treinos. Após escutar cada uma das teorias do companheiro sobre o mundo, Jaime costumava dizer que se Thomas não fosse um louco, pelo menos um gênio ele haveria de ser. Thomas não sabia por que estava lembrando daquilo logo agora. Talvez porque naquele exato momento ele se considerava um pouco dos dois.

Em meio a tragos e mais tragos, a fumaça que sai da sua boca vai tomando alguma forma diante dos seus olhos. Era um rosto. Que foi tomando, cada vez mais, uma forma mais viva e real:

- Eu sabia que tu vinhas por aqui hoje. – Falou Thomas, para a fumaça. Surpreendendo o leitor.

- O que há, Thomas, tá pensando que eu esqueci?

- O esqueceu de quê? – responde Thomas. Aparentemente cansado quanto ao assunto do qual a fumaça à sua frente tratava.

- Vai se fazer de idiota agora? Tu sequer cumpriu tua parte do trato, seu traíra.

Então, agora não só aparentemente, mas visivelmente cansado com o assunto, Thomas joga o cigarro pela janela e fecha a mesma. Colocou o copo de uísque na cômoda e foi andando até o banheiro, abriu o armário, onde ele sempre coloca seus remédios, e repetiu todos os remédios tomados por ele no começo do texto. Um comprimido após o outro. Porém, bastou fechar o armário e se ver no espelho que a coisa continuou. A imagem refletida começava a se distorcer, formando então o mesmo rosto da fumaça que tinha visto segundos atrás.

E antes que aquela coisa começasse a falar asneiras de novo, Thomas, usando o próprio braço, quebrou o espelho.

Debruçou-se sobre a pia, cheia de cacos de vidro, cortando-se mais ainda e chorando como nunca. Decadente. Lamentando o estado atual de sua mente. Seu braço sangrava gravemente, com vários cortes, e essa não era nem de perto sua maior preocupação. A dor de cabeça agora estava mais forte do que nunca. Saindo do banheiro, ele andou o corredor escorado na parede. Porém, antes que ele fosse a qualquer lugar o telefone começa a tocar. Sem saber mais distinguir a verdade da fantasia, ele resolveu não atender. E mesmo que fosse verdade, alguém querendo mesmo falar com ele, não pretendia falar com ninguém naquele estado.

Parado no corredor e vendo o braço sangrar sem saber ainda o que fazer, Thomas escutou a campainha. Realmente, sua capacidade distinguir a realidade estava péssima. O uísque ajudou. Sóbrio e lúcido eram os adjetivos que menos cabiam em Thomas naquele instante. Enquanto a campainha tocava, ele tentava ignorar o som e pensar no que fazer. As coisas vinham piorando nas últimas semanas. Ele sentia falta dos seus momentos de solidão total.

Aflito e amedrontado, ele tremia sabe-se lá por quê. Tinha perdido muito sangue e seu braço estava fraco. A infelicidade marcava seus dias recentes e seu exato momento. Agoniado e precisando de uma solução imediata, Thomas foi até a janela do quarto. Abriu a janela, olhou para baixo, e viu um pontinho branco lá embaixo. O cigarro jogado por ele instantes antes. Olhando de novo até lá embaixo, Thomas conseguiu pensar em uma ótima e imediata solução. Arrastou a cômoda até a janela subiu em cima da cômoda. Nessa hora, a campainha tocava sem parar. Ele precisava se concentrar. Tomou todo o resto dentro do copo que ele havia deixado em cima da cômoda, ficou em pé nela, e decidiu juntar-se ao cigarro lá embaixo. Pulou.

.

.

.

Momentos depois, a polícia chegou ao apartamento e os peritos foram examinar o ocorrido. Em meio a outros documentos e papéis, na mesa da sala, havia um exame aberto, realizado com Thomas numa clínica a duas ruas da sua casa, por uma equipe interdisciplinar de psiquiatras. Diagnóstico: Esquizofrenia.

Um comentário: