domingo, 30 de novembro de 2008

Filha do chefe. (Jaime)

Noite comum, eu lavava minha moto para passar o tempo. O celular tocou. César. O que seria, dessa vez ? Atendi:
- Alô?
- Jaime, tô precisando de ti.
- Que foi?
- O Nicolas passou dos limites, dessa vez.
- O que foi que ele fez? - perguntei.
- Você não vai acreditar, ele está agora com minha filha em um armazém abandonado, perto do porto. Caso eu não dê o que ele quer, ele é quem vai decidir o que vai fazer com ela. Disse que não adianta eu fazer nada, a não ser o que ele pediu.
- E o que ele quer, afinal?
- Dinheiro, é claro. 800 mil. É muita grana, eu não tenho isso tudo e não tenho como conseguir, cara. O porquê da ligação é esse, só você pode salvar a Ingrid. Ele disse que se a polícia batesse lá ele a matava na mesmo hora.
- Calma, quanto tempo temos?
- Ele disse que ia ficar lá até o amanhecer. São 9 da noite. Minha filha já era para ter chegado da festa que ela foi, aí eu resolvi ligar. Aí soube que ela está nas mãos daquele desgraçado.
- Pode contar comigo, garanto que eu vou fazer de tudo pra trazer a Ingrid de volta, tá? Pode deixar, ela vai estar comigo e salva antes do amanhecer, garanto.
- Ah, obrigado, Jaime.
- Pfff, poupe-me disso, chefe. Você sabe que pode contar comigo, não precisa agradecer. Agradeça quando eu voltar com sua filha.
- O que você vai fazer agora?
- Vou botar uma camisa e vou pra sua casa, aí a gente planeja tudo direito, não se preocupe.
- Ta certo, vem logo...
- Tá, tchau.
- Até.
Quando acabou a ligação, vesti qualquer coisa e subi na moto. Fui depressa, pelas ruas quase vazias. Eu tinha que voltar com a filha dele em mãos. E, além disso, eu era seu grande amigo. De fato, eu não podia falhar.
Cheguei à sua casa, não tinha muito o que planejar, o tempo era pequeno e o problema, enorme. A responsabilidade em minhas mãos também era muito grande. Eu estava com um caso de vida ou morte da filha do meu chefe, Ingrid. E eu sabia que César só tinha me chamado porque sabe que eu sou seu melhor agente, e sabe que pode confiar em mim. Porém eu estava preocupado, Nicolas não tem estado muito bem de saúde mental, chegou a passar 5 meses em uma clínica psiquiátrica. Com distúrbios mentais de alternância de humor. Além disso, esteve dependente quimicamente de cocaína. Este uso de drogas foi logo após ele se retirar do departamento. Quando trabalhávamos juntos, ele não era assim.
Estava também muito preocupado com o bem estar da garota. Ela deveria ter uns 17 anos, no máximo. Era nada mais que uma adolescente.
Era hora de agir, não tínhamos muito tempo. Passamos em alguns lugares antes, mas sem demorar. Ao chegarmos, a rua estava deserta, era uma zona já quase fora da cidade, pouquíssima habitada. Ali perto, só fábricas e mais fábricas. O armazém era pequeno, já abandonado e em poucas condições. Era o local perfeito pra se fazer o que Nicolas fez, um “cativeiro”. Fui entrando:
-Alguém aí? - minha voz era respondida apenas pelo eco – Nicolas, aqui é o Jaime – Continuei andando...
De longe, comecei a escutar os choros da Ingrid. De repente, ele apareceu. Estava magro como nunca. Pálido. Olhos bem vermelhos. Com uma bermuda mal colocada e sem camisa. Seu corpo era cheio de marcas, provavelmente, de unhas. Veio logo falando:
- Ora, ora, olhe quem está aqui. Detetive Jaime Frota, quem diria eu lhe encontrar aqui, nesta situação... um tanto complicada, não é?
- Vamos falar sério um com outro, por favor. Vamos tentar resolver isso, tá certo? - perguntei.
- Está armado? Se estiver, trate lodo de joga no chão.
- Tá certo.
Joguei minha arma.
- E que saco é esse aí na sua mão?
- Um sanduíche, imaginei que você estaria com fome.
- Olha só, como ele é bonzinho.
- Sem ironias, Nicolas.
- Coloca o saco no chão e chuta pra cá.
Chutei.
- Ta certo, agora... cadê ela? - perguntei.
- Ela quem? Ah, você se refere à garota? Não se preocupe, ela está bem.
- Bem? Daqui eu ouço seus choros. Vamos, diga, cadê ela?
- Tá la dentro.
- Nicolas, entenda: eu só quero te ajudar, tá legal? Mas você também tem que me ajudar. Eu quero o melhor para nós dois. Ou melhor, nós três. Então, vamos resolver isso com calma.
- Hahaha, tá querendo bancar o negociador pra cima de mim, Jaime? Conheço esse seu jogo, não tente usá-lo comigo.
- Vamos fazer isso com calma, podemos sair os dois daqui bem. A polícia não está aí fora, só estamos nós. César e eu. Mas agora, eu preciso voltar, tenho que me comunicar com ele.
- Onde você pensa que vai?
- É sério, eu preciso ir
- Olha aqui, cara. Eu não tô pra brincadeiras, ouviu? Já disse, você não vai sair daqui. Se vocês não me derem o que eu quero, eu vou matar a garota.
- 800 é muito dinheiro, não dá pra arranjar assim da noite para o dia.
- Mas é o que eu preciso pra sair daqui e começar uma vida la fora, e eu quero isso da noite para dia sim. Se a grana não tiver aqui até o amanhecer, podem se despedir dessa garota.
- Por que você vai fugir? Por que você saiu do departamento? Você estragou sua vida, Nicolas. E só vai piorar a situação, fazendo essa besteira.
- Minha vida é problema meu.
- Mas passou a ser problema para outras pessoas também... deixe eu ver como ela está.
- Vou buscá-la, fique aí. Se eu chegar aqui e você não estiver aqui, eu mato a garota.
Em dez segundos ele voltou puxando a garota pelo braço. Ela estava somente de calcinha e sutiã. Também com muitas marcas no corpo. Totalmente descabelada. Com evidentes sinais de estupro. Ela estava morrendo de vergonha de mim, que sempre fui amigo do pai dela, e sempre fui de freqüentar sua casa, nem que seja para tomar uma cerveja após o expediente. César vez por outra me convidava. E eu sempre a vi vestida.
Nicolas a colocou na sua frente, e apontou uma pistola na sua cabeça:
- Detetive, você não tem saída. Quero que garanta que vai me conseguir o dinheiro.
- Péra lá, eu não posso garantir isso.
- Ah, é? Pois você tem 10 segundos para mudar de idéia – Então, ele começou a contar.
- 10.
- 9.
- Pára com isso, você não sabe o que está fazendo!
- Diga-me que vai conseguir o dinheiro.
- Não posso.
- 8.
- 7...
- Nicolas, pára com isso, podemos resolver isso numa boa, você sabe.
- Claro que podemos, basta você me entregar o dinheiro.
- 6
- Vamos conversar sem pressão nenhuma, de modo racional.
- Eu não tenho tempo para ser racional, detetive. Eu nunca tive tempo para isso. Chama-se loucura.
- 5...
Ingrid não parava de chorar. Toda aquela cena era muito forte, ela ali semi nua olhando para mim, esperando uma atitude minha. Com um cano de uma semi-automática apontado em seu pescoço. A mão dele não parava de tremer. Eu precisava pensar, e rápido. Mas nunca funcionei muito bem sobre pressão. Tinha que agir rápido, isso era mais do que um caso qualquer de negociação.
- 4...
- O que você quer que eu faça, se eu não posso sair daqui e não tenho esse dinheiro agora?
- Se você sair, você entrará com a polícia, não tem mais como eu sair dessa bem.
Ninguém vai fazer nada com você, você ainda tem ela consigo. Ela ainda é sua refém – eu disse.
- 3...
- Calma porra, você ainda vai acabar fazendo alguma merda. Pára com isso.
- A merda já está feita, detetive. A merda é toda esta merda aqui, em que estamos mergulhados e nos atolando cada vez mais. Atolando tanto que não dá mais pra se mexer. De modo que chega um ponto em que não tem mais volta. E este ponto, detetive, é justamente onde estamos – ele falava tão enxuto e sem emoção, que parecia está já conformado com o desastre que estava pra acontecer.
- 2...
- Eu não quero morrer aqui, alguém me tira daqui! - gritava a garota, desesperada.
César escutou os gritos de sua filha e veio correndo. Nicolas escutou os passos de César...
- Não tem mais como eu sair dessa bem, minha vida acabou.
- Não, calma, ainda podemos acabar bem com isso – eu disse.
- 1...
Nessa hora, eu puxei minha segunda pistola, que estava presa no meu cinto, nas costas. Foi tudo uma questão de segundos. Eu puxei a pistola me jogando no chão e tentando acertá-lo. Na mesma hora, ele apontando a arma para mim, acertando meu braço, enquanto levava um tiro no ombro. Foi o suficiente para ele ir caindo no chão, enquanto ele levava mais tiros no peito. Mas, infelizmente, antes de cair por completo e morrer, ele tornou o cano do revolver a cabeça da Ingrid, e atirou sem pena.
O corpo dela foi caindo ao meu lado. Levantei e fui descarregando todas as balas na barriga e no peito dele. Com toda a frieza do mundo. Um tiro após o outro, até não restar mais nenhuma bala na arma que eu segurava. Nunca tinha feito nada parecido na vida. Apesar de sempre saber atirar, eu nunca me vi como um assassino. E foi isso que eu fui, ao matar Nicolas com frieza no sangue, como um assassino que planeja exatamente o que fará. Talvez por raiva momentânea ou por arrependimento. Não sei direito o que foi, mas aquilo poderia ter acabado bem melhor.
Quando César chegou, sua filha estava jogada no chão, morta. Ele se jogou no chão, ao seu lado, e pôs-se a chorar junto a ela. Olhei para toda aquela cena, uma garota, quase sem roupas, morta com a cabeça estourada. Um homem magro só de bermuda com o peito todo perfurado e totalmente inundado de sangue. E eu, simplesmente, derrotado. Eu prometi estar com a filha dele salva antes do amanhecer. Falhei. Nunca tinha acontecido nada parecido comigo. Eu não tinha resolvido um dos casos mais importantes de toda minha vida, por incompetência minha.

7 comentários:

  1. Muito bom. Texto bem escrito. É um suspense policial envolvente, com um final surpreendente.

    ResponderExcluir
  2. Nossa, sem comentários. A falha de Jaime e o desfecho trágico me pegou completamente de surpresa. O que tornou um excelente texto.

    Abraços.

    ResponderExcluir
  3. Ficou ótimo :D
    Simples, direto e completo... Parabéns!

    ResponderExcluir
  4. massa lucas, principalmente por que ela morreu no final, quebrando aquele clichê que os protagonistas sempre cumprem a missão.

    beijos ;*

    ResponderExcluir
  5. eu não queria que ela tivesse morrido.. :( Foi triste.

    ResponderExcluir
  6. Obrigado pelo spoiler!!!! PÔ!!!

    ResponderExcluir