quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Abrir os olhos


Conhecer isso tudo aqui foi sempre um sonho meu. Preferi vir a pé, para notar melhor os lugares por quais vou passar. Aqui de baixo, eu não consigo ver onde isso termina, parece outra cidade, sendo esta, muito menos maquiada, menos fantasiosa e mais real. Não é bem o que queremos ver, mas é o que existe.

Então começo a andar. Agora no começo, noto que as ruas ainda são asfaltadas, ainda têm postes de iluminação pública, e o movimento de pessoas é bem maior. Ônibus, motos, e poucos carros ainda circulam por aqui. Entre a rua e a calçada forma-se um córrego com aquela lama meio acinzentada.

O sol é quente e forte. Não dá trégua alguma, as gotas de suor já descem em meu rosto. Um senhor, com uns 65 anos, passa ao meu lado carregando na cabeça um amontoado de papelão, um sobre o outro, amarrados com duas cordas que se cruzam no topo e no fundo do monte. Duas belas negras passam também por mim, mostrando seus cabelos, com penteados exuberantes.

Mais a frente, um pai briga com seus quatro filhos, que parecem ter feito algo muito errado. O mais velho dos filhos é o mais reprimido. O filho caçula não tem o que vestir, está nu. O pai barbudo aponta o dedo sujo na cara de cada um deles e grita sem parar.

Mais alguém assiste a toda esta cena, é uma senhora no portão de sua casa.

Agora, vem uma dona de casa, de mãos dadas ao seu filho. Ela anda pela beira da rua, e seu filho alterna-se entre a rua e a calçada, brincando de pular pra lá e pra cá, por cima do córrego. Ali no final daquele beco, em um tanque de lavar roupas, duas garotas, com uns 12 anos, tomam banho e jogam água, uma na outra. Cães e mais cães cruzam a rua de um lado para o outro, reviram o lixo, latem para o nada e vivem em meio à desordem contínua deste local. Um moço de sorriso simpático ajuda seu filho a colocar a pipa no céu para disputar com tantas outras que lá estão. Quando isso é feito, ele bate nas costas do filho, em um gesto de incentivo, e volta a vender seu milho cozido.

O pessoal da capoeira sobe a ladeira e formam a roda lá no alto. Ao som do berimbau, todos observam o mestre Aloísio com as mãos no chão e os pés para o alto, fazendo uma série de movimentos. A empolgação do mestre é acompanhada de palmas no ritmo da dança.

O pião não cansa de rodar na mão do garoto de azul, que se exibe para os amigos. Então, já um pouco cansado, sento-me à mesa do botequim para descansar as pernas. Peço uma água. O sol, aos poucos, vai caindo e um grupo de jovens, trazendo pandeiros; passam a ser responsáveis pela baderna do fim de tarde. Belas mulheres juntam-se aos jovens e passam a dançar ao som dos pandeiros.

Adultos jogam cartas na mesa aqui ao lado. Bebem e gritam, espantando os clientes. Um deles, já alterado com a bebida, puxa briga por conta de uma aposta feita no jogo. O outro, também já não tão sóbrio, quebra uma garrafa, fazendo dela uma arma. A briga começa, e em poucos segundos, um deles cai com uma garrafa enfiada no pescoço. O sangue se espalha pelo chão. Ninguém toma nenhuma atitude. O vencedor solta a garrafa no chão, e sai andando do bar.

Algum tempo depois, a polícia chega ao local. Mas ninguém sabe de nada, ninguém viu nada. Aos poucos, todos vão se recolhendo. Chegou também a minha hora de ir. Levanto da mesa, pago minha água e vou voltando para casa, espantado, indignado, porém, satisfeito. No fundo, foi esse tipo de coisa que eu vim para ver. Está ao nosso redor, pena que alguns preferem, simplesmente, fechar os olhos.

4 comentários:

  1. Eu imaginei cada momento da narrativa, cada minimo detalhe ;D
    Muuuito {bem} descritivo, adorei.
    Realmente creativo, sem ser fantasioso. :D
    :*

    ResponderExcluir
  2. [2]
    Eu imaginei cada momento da narrativa, cada minimo detalhe ;D
    Muuuito {bem} descritivo, adorei.
    Realmente crIativo, sem ser fantasioso. :D
    :*

    ResponderExcluir
  3. realmente.. retrata toda a realidade do local... porem o fim... na qual a briga e a morte de uma pessoa nao sencibiliza o autor.. jah ano concordo.. nao podemos se acustumar com tal fato... sei q a violencia faz parte da nossa realidade... mas na narrativa o autor na expressa seu sentimento real diante da morte... onde isso vai parar? filho matando pais, pais jogando filhos da janela, namorado sequestrando namorada e por fim matando... a imprenssa mostra isso... realidade ou realit show????

    ResponderExcluir
  4. Eu pensava que era frescura tua esse monte de simbolos, mas tive que abrir o Word pra mudar a fonte, kkkkkkkkkkkk.
    Mas agora falanda sério, a gente pensa que conhece a tla 'realidade' mas ela é bem mais dura do que imaginamos. É triste ver o que acontece e não poder fazer "nada"..

    ResponderExcluir